Nosso último artigo coloca em perspectiva os principais problemas enfrentados na gestão de empresas familiares. Problemas de sucessão, falta de regras bem definidas e dificuldade em administrar conflitos de interesses são alguns desses pontos que merecem destaque. Mas como solucionar tais questões? Batemos um papo com o Professor Jairo Gudis, que já trabalha com famílias empresariais há mais de 25 anos, sendo 10 deles na Fundação Dom Cabral.
Jairo, que também é economista e professor associado da FDC nas áreas de Governança Corporativa, Acordo de Sócios e Herdeiros, Sucessão em Empresas Familiares e Planejamento Estratégico, tem em seu currículo mais de 100 trabalhos desenvolvidos e implementados para as famílias de empresários. Além disso, o professor é co-fundador do Capítulo Sul do IBGC –Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, com sede em São Paulo. Com uma bagagem e conhecimento diferenciados, ele traz insights interessantes sobre o tema. Confira a nossa entrevista a seguir!
Entrevista: governança de empresas familiares
PKT: Dados do IBGE e do Sebrae mostram que 90% das empresas no Brasil ainda são familiares, representam cerca de 65% do PIB e empregam 75% da força de trabalho do país. Embora sejam consideradas a espinha dorsal da economia nacional, pesquisas também apontam que a cada 100 empresas desse tipo, 70% não passam pela geração do fundador e apenas 5% conseguem chegar à terceira geração. A que você atribui esses dados?
Professor: Inicialmente, na minha opinião, a passagem de bastão entre as gerações que se sucedem, no Brasil, possivelmente estaria em um nível mais elevado do que os 70% indicados nas pesquisas. Isto porque o número de empresas centenárias de controle familiar conhecidas é muito pequeno, diante do existente. A principal razão deste fato é que as famílias empresárias não estão focadas no planejamento e desenvolvimento dos herdeiros para o seu papel de acionista/sócio e/ou gestor das empresas. Assim como também é verdadeiro o fato de que a maioria dos fundadores não está preparada para liderar a sua sucessão.
PKT: Como reverter esse cenário e promover a governança de empresas familiares?
Professor: Desenvolvendo o conjunto das regras de relacionamento nas dimensões da família, do patrimônio pessoal dos seus membros (propriedades) e da gestão das empresas. Isso através da construção de um pacto societário e familiar, entre sócios e herdeiros. O objetivo seria o de estabelecer regras para administrar os conflitos de interesse, agregar valor ao patrimônio das famílias empresárias e assegurar a perpetuidade do legado às futuras gerações.
Devemos considerar que as famílias crescem exponencialmente entre seus membros, não seguindo o rumo dos negócios dos grupos empresariais, que têm a expansão de suas atividades seguindo as tendências de mercado e de seu planejamento estratégico independente dos núcleos familiares entre as gerações que se sucedem.
Conceitualmente, temos a 1ª geração dos fundadores; a 2ª geração, como sendo a sociedade entre irmãos; e a 3ª geração é o consórcio de primos. Considerando o número de membros em cada núcleo familiar das respectivas gerações, teremos o número de partes interessados na construção deste processo de governança corporativa e familiar.
PKT: Existe uma maneira de contornar conflitos internos, criar processos mais dinâmicos e introduzir novas tecnologias com o objetivo de expandir os negócios?
Professor: Em nossas experiências na implementação e construção dos processos de governança, temos desenvolvido estes processos com as famílias empresárias, que visam assegurar a expansão de seus negócios a partir dos pilares do planejamento estratégico, na definição do seu modelo de negócio, assim como no modelo de gestão, através da definição dos níveis de alçada e responsabilidades dos administradores.
Neste sentido, é importante destacar a estruturação dos fóruns de tomada de decisão, em relação às pautas estratégicas e operacionais, assim como o próprio desenvolvimento dos herdeiros, no acompanhamento da implementação deste processo. Neste sentido, poderiam vir a ser criados os Conselho de Família, Conselho de Acionistas/Sócios e Conselho de Administração.
Porém, cabe destacar que as características a serem construídas pelas famílias empresárias têm que ser adequadas ao porte e tamanho de cada negócio e à forma e ao jeito de tomada de decisão praticados.
PKT: Como a capacitação dos gestores é um diferencial para a gestão dessas empresas?
Professor: As empresas familiares têm uma característica em comum: a dependência do número de membros das futuras gerações. Muitas vezes, o tamanho do negócio e sua estrutura organizacional não permitem que todos possam atuar como gestores do negócio.
Entretanto, todos os herdeiros de uma família empresária nasceram “futuros sócios” e não se escolheram como tal. Um dia, inexoravelmente, estarão sentados juntos, compartilhando o processo de tomada de decisão, pela falta dos pais fundadores, ou então, por um processo de decisão dos pais, os quais poderão doar em vida para seus filhos o seu patrimônio pessoal.
Portanto, é importante desenvolver os herdeiros e capacitá-los para serem gestores ou, na dependência dos projetos pessoais de vida dos herdeiros, estarem sentados juntos como conselheiros, tomando decisões estratégicas e/ou operacionais nos fóruns a serem constituídos pelas famílias empresárias.
PKT: Como promover o desenvolvimento do acionista é decisivo nesse cenário?
Professor: Independente dos seus projetos pessoais de vida, os herdeiros precisarão, um dia, tomar decisões pelo negócio. Isso significa que o seu desenvolvimento na qualidade de acionistas/sócio de um negócio e o seu aprendizado sobre este patrimônio tem que ser orientado e fazer parte do planejamento sucessório. Seja sob o aspecto de gestão, exercendo seu papel na estrutura organizacional do negócio, ou no papel de acionista/sócio.
PKT: Quando é preciso buscar suporte externo, ou seja, qual costuma ser o alerta de que é necessário buscar auxílio de empresas como a PKT?
Professor: O sinal de alerta é quando as famílias empresárias começam a enfrentar situações de conflitos de interesse, principalmente entre as gerações que se sucedem e, neste momento, se dão conta de que não possuem regras de relacionamento e nem comprometimento entre as pessoas, para administrar e equacionar estas divergências. O impacto da falta deste instrumento de regras e procedimentos, que denominamos de Protocolo Familiar, pode conduzir a situações indesejáveis e destruir o valor do negócio. Muitas vezes, apelando para outras esferas, na busca de soluções dos conflitos e prejudicando, sensivelmente, o próprio negócio.
Nas minhas palestras e conferências, costumo dizer que, independente do seu projeto pessoal de vida, o herdeiro um dia tomará decisões estratégicas e/ou operacionais, sentado na cadeira de gestor, executivo ou líder do seu núcleo familiar. Ou então, na cadeira de Conselheiro, juntamente com seus pares familiares (mesmo sendo de outros núcleos familiares, como no caso de primos), tomando decisões como Administradores do negócio, mesmo sem estar participando do dia-a-dia da gestão das empresas.
Assim, o processo de gestão, nas mais diversas áreas, não é um processo simples. No entanto, com direcionamento e capacitação corretos, você pode se tornar um grande líder e conseguir todo o destaque que merece nesta posição.